28/02/2012

galeria entrevista Valter Varandas

Terça-feira é dia de entrevista na galeria portuguesa.
Saiba um pouco mais sobre o Valter Varandas.


O Valter nasceu em 1983 e é de Lisboa.
Trabalha na indústria náutica mas é na arte da fotografia que revela a sua criatividade e espontaneidade desde os 16 anos.
Fez o curso profissional de Fotografia no Instituto Português de Fotografia e um estágio de Fotojornalismo no Correio da Manhã. Toda a sua formação foi com equipamento analógico. Com a entrada no Jornal, iniciou a era digital. Hoje em dia, trabalha essencialmente com o digital.
Tem dezenas de trabalhos publicados, exposições individuais e coletivas.
Procura, cada vez mais, fazer fotografia de quotidianos. Gosta de se inserir nos espaços. Fazer retratos. Inserir elementos humanos nas fotografias.
Para além da fotografia também se dedica à escrita e escreve pequenas histórias. António Lobo Antunes é uma referência.
Amante assumido de cinema, apreciador de boa música, pintura e desenho. Ultimamente também se interessa pela restauração de móveis antigos.

olhares.aeiou.pt/waltere
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Como é que um apaixonado pelas artes foi parar à indústria náutica?
R: Na verdade, não sei muito bem responder à pergunta. Tinha acabado de sair do jornal, tive a oportunidade de enveredar pelo ramo náutico e aceitei.
Penso que naquela altura estava bastante chateado com a fotografia. Queria mudar de ares e assim foi.
Entrei num ramo onde tudo era novo para mim, mas a experiência tem sido boa e os laços criaram-se ao longo do tempo. Mas a paixão é e sempre será a fotografia. E as artes no seu geral. É o meu mundo e onde eu me sinto mais a ser eu.

Como é que começou esta atração pela fotografia?
R: Não começou tão cedo como eu gostaria. Não tenho ninguém na minha família ligado às artes.
Foi um caminho que descobri sozinho e talvez assim tenha sido mais engraçado.
Tinha dezasseis anos quando comecei a fotografar com uma máquina compacta que tinha lá para casa. Aos poucos, comecei a sentir que gostava de fotografar. De início, tinha uma grande preocupação em encontrar a sensibilidade necessária para fazer uma imagem.
Não tinha noções técnicas mas sempre revelei interesse para saber como abordar aquilo que eu queria fotografar. Tinha um enorme cuidado com aquilo que fotografava mas raramente o fazia bem. A fotografia é ingrata para quem se inicia. Tens que errar centenas de vezes para comecar a fazer qualquer coisa de razoável.
Foi nessa altura que me apercebi que tinha que aprofundar os meus conhecimentos e assim foi. Tive que pedir uma máquina emprestada ao meu tio para dar continuidade ao meu interesse. Aliás, chego ao meu curso de fotografia sem ter uma máquina minha. Era tudo emprestado.
Agradeço a todas as pessoas que ao longo destes anos "perderam" tempo a ver as minhas fotografias.



Se fosse possível dedicava-se à fotografia a tempo inteiro?
R: Obviamente que sim. Mas dependeria do projeto que me fosse apresentado. Tenho uma forma muito particular de ver fotografia. Vejo fotografia como uma plataforma de arte. Não pretendo fazer fotografia sem este propósito. Trabalhei num jornal e saí porque não me identificava minimamente com o tipo de fotografia que fazia.
Portanto, concluo que gostaria de me dedicar por inteiro à fotografia mas não tenho convites aliciantes no sentido que eu procuro.

Prefere ter um tema ou fotografar de forma rebelde?
R: Depende. Trabalho das duas formas. Trabalho muitas vezes sobre um projeto escrito e quando vou para o terreno já sei exatamente o que vou fazer.
Às vezes, antes de uma fotografia estar feita, ela já está escrita por mim. Ou pelo menos, existe um esboço mental. Mas não são raras as vezes que fotografo sem qualquer ordem aparente. Ultimamente fotografo muito enquanto viajo. Se for a uma cidade nova, fotografo o que vejo sem qualquer plano ou delineamento inicial.
Gosto de fazer fotografia de quotidiano. A rotina esconde atos verdadeiramente interessantes para quem quer fazer uma boa fotografia. Seduzem-me os pequenos detalhes e os gestos minimalistas que as pessoas fazem.

Há pessoas fáceis e pessoas difíceis de serem fotografadas?
R: Existem efetivamente pessoas mais fáceis de serem fotografadas. Já fotografei pessoas com uma grande naturalidade perante a lente.
É como qualquer outra coisa. Há quem tenha mais vocação e quem não tenha. Mas é possível fazer bons trabalhos com pessoas mais difíceis. Mas o desafio maior é fotografar alguém que nos é desconhecido e conseguir fazer uma boa fotografia. Confesso que a maior parte das pessoas que fotografo não as conheço e a maior parte delas não sabe sequer que foi fotografada. E nesta parte não há pessoas fáceis nem difíceis.
Tudo pode dar certo e tudo pode dar uma boa fotografia mas tudo não passa de uma grande incógnita.

Que personalidade portuguesa gostaria de fotografar?
R: Penso que não gostaria de fotografar ninguém em especial. Pelo menos não encontro motivos para querer isso. Ponho as coisas de outra forma: Que personalidade me poderia garantir uma boa fotografia? Prefiro fotografar um rosto anónimo e dar-lhe vida.
Prefiro ir buscar um rosto estranho, um rosto perdido na rotina de todos nós e dar destaque a alguém que não tenha visibilidade.
Um talhante, uma florista ou um carteiro, qualquer pessoa pode ter uma boa história para contar, uma boa fotografia para ser feita.



Anda sempre com a máquina fotográfica?
R: Confesso que não. Não ando sempre com a máquina nem fotografo todos os dias.
Não me sinto com essa obrigação. Mas às vezes perco por não ter uma máquina comigo.
Já fiz muitas fotografias com os olhos que não as registei. A sensação de perder uma fotografia é terrível.
Uma vez com uma Lomo Fish Eye, fotografei durante vinte e cinco dias seguidos.
Presentemente, fotografo quando posso e quando me apetece.

O digital substituiu completamente o analógico?
R: De um modo geral penso que sim. Inicialmente, houve muitas reticências mas foram dissipadas com o tempo. Pensou-se que o digital não chegaria para fazer fotografia com a mais alta qualidade. A verdade é que faz.
Tenho equipamento analógico e digital. Mas é o digital que vive comigo e anda na mochila. Responde melhor às minhas exigências.
A fotografia chega agora a toda a gente. Todas as pessoas têm uma máquina e fazem fotografia. Porém, não aproveitam da melhor forma o que o digital oferece.
Comecei a fotografar com analógico e metade do meu ordenado ia para rolos e revelação dos mesmos. O papel era caro e fazer impressões caro era.
Hoje em dia, acumula-se muito lixo eletrónico, deixa-se que as fotografias não cheguem ao papel e para mim uma fotografia tem que estar em papel.
Imprime-se menos quando na verdade é mais barato imprimir, temos maior controlo sobre o nosso trabalho e na verdade só imprimimos o que queremos.
E o próprio ato de fotografar é nos dias de hoje um ato menos pensado, quiçá, com menos poder de filtragem. E fotografia é filtrar o que se vê.
Temos cada vez mais meios para fazer fotografia mas esta é efetivamente mais mal tratada do que antigamente.



Usa muito o Photoshop?
R: Não. Uso o necessário. Todas as minhas imagens são editadas mas o tratamento prima sempre por caminhos mais básicos.
Faço pequenas correções de cor, limpezas e alguns "crops". Ultimamente, tenho colocado alguns efeitos nas fotografias. Tenho aplicado um efeito que faz as imagens parecerem mais velhas. Seduz-me a ideia da fotografia não ter uma data. Será que uma fotografia feita nos dias de hoje pode ser igual a uma fotografia com trinta anos? O que as distingue? Misturar esta ideia poderá ser um processo interessante.

Tem uma foto preferida?
R: Não. Não tenho uma fotografia específica que possa dizer que é a preferida. Mas normalmente as que eu gosto bastante não são tão apreciadas pelos outros.
Tenho fotografias que me dizem muito, por razões diferentes, ou porque me custaram a fazer, ou porque estão efetivamente boas, ou porque têm laços emocionais mais fortes. Gosto imenso de uma fotografia que tirei há uns anos a um miúdo russo. Ter conseguido roubar aquele olhar deixa-me bastante satisfeito. Fiz uma no meio de Paris, com duas pessoas a andarem de bicicleta e a fotografia parece que tem alma e que está perdida no tempo. Ou então, uma que tem anos e foi feita ainda no meu curso, do qual fotografei uma mala perdida numa poça de água, com um prédio refletido lá dentro. Não tem nada de especial mas sempre gostei imenso dela.
Não sou muito possessivo com as fotografias. Faço-as para os outros. Nunca para mim. Muitas vezes, sinto que as minhas imagens são mais dos outros do que propriamente minhas. Quem as vê ou quem consegue sentir o pulso a uma fotografia tem um poder enorme e nós dependemos mais deles do que eles de nós.




As histórias que escreve, gostava de as publicar ou é apenas um hobby?
R: Escrever é uma paixão antiga. Gosto muito de escrever mas não sou escritor nenhum. Tenho imenso respeito por um escritor.
Gostava de as publicar e gostava que elas chegassem a pessoas que não conheço e que não façam a mínima ideia de quem sou.
Presentemente, envio as minhas histórias a um grupo restrito de pessoas. Essas mesmas pessoas, por vezes, reenviam para outras que não conheço. Basicamente é um círculo pequeno. Gostava que fosse maior mas não tenho pretensões de nada. Gosto de escrever e partilhar. Dar aos outros.
Se escrevesse ou fotografasse só para mim acho que seria demasiado aborrecido. Para mim, só estás a fazer arte quando estás a conseguir partilhá-la.
Escrever é um ato complicado. Exige tempo e disponibilidade mental. Dois ingredientes que valem muito nos dias de hoje.
Gosto de escrever porque é um exercício mental. Interligo a escrita à fotografia. Escrever obriga-me a ver melhor. Muitas das coisas que escrevo são de pequenas coisas que vejo.
Fascina-me o poder que uma palavra tem. Às vezes, leio uma frase e ela fica ali comigo durante dias.
Uma palavra pode não mudar nada como pode mudar tudo.

Tem projetos para um futuro próximo?
R: Alguns. Comecei agora a escrever um projeto para tentar expor numa galeria. Dei por mim com demasiados trabalhos acumulados e perdidos lá por casa.
Gostava que eles fossem vistos por mais pesssoas. Não sei se será possível mas vou tentar. Estou a começar a organizar um conjunto de imagens feitas por mim para fazer quadros para venda. Existe alguma procura e penso que é interessante.
Gostava também de iniciar um projeto fotográfico que conjugasse a escrita com a imagem. Já estive quase a conseguir uma vez.
Viajar para mim é sinónimo de fotografar. Portanto, viajar tem que ser um projeto constante para mim.



No dia-a-dia, o que menos gosta de fazer?
R: Não gosto de esperar. O que eu menos gosto de fazer é de esperar. Como não gosto de esperar tenho sempre a sensação que espero muitas vezes e durante muito tempo.
Não gosto de desperdiçar o tempo nem gosto das coisas que me fazem não conseguir criar.
Na verdade, não gosto de muitas coisas mas tenho a certeza que o número de coisas que gosto de fazer é bem maior.

Sugira alguém português que, para si, seja inspirador.
R: António Lobo Antunes. É inspirador como homem e como escritor.
Não há ninguém que escreva como ele. É impressionante como a sua escrita foge a todos os registos. Ler as coisas que ele escreve é algo que me emociona. Ele é um festival de sentimentos.
Não tem uma escrita fácil. Tem um escrita densa e um quanto labiríntica. Mas escreve coisas que estão muito à frente.
É efetivamente o português que mais me inspira, alguém com um talento pertíssimo da genialidade.
O que mais aprecio na sua escrita e modo de ser e estar na vida é a forma como nos chega à alma. Consegue ter a sensibilidade que nós pensamos não ser possível existir e fala-nos das coisas e da vida de uma forma que mais ninguém consegue fazer.


3 comentários:

  1. És meu primo mas sinto-te como meu irmão... Conheço-te deste sempre e desde sempre soube que olhavas as coisas com um alcance diferente.
    Sempre foste e continuas a ser uma referência para mim.
    O teu talento e arte só é segundo lugar quando comparado com a humanidade que tens em ti.

    Já vi quase todas as imagens que tiraste e sei, talvez mais que toda a gente, que esta referência à tua arte é completamente merecida e que muito mais haveria para ver teu.

    Continua a fotografar e continua a querer mostrá-lo ao mundo, pois o mundo só tem a perder se assim não o for.

    Um abraço, aquele abraço!

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  2. Quando se fala de Valter Varandas, é para mim sinónimo de se falar de uma pessoa ímpar.

    É um fotógrafo que consegue captar a essência das coisas mais simples e banais e transformá-las em arte. As suas fotografias, mais do que contar histórias, fazem-me criar histórias na minha própria cabeça, são sempre um ponto de partida. E para mim isso é que é a arte, é algo que não vive em si, que nos transporta para mundos paralelos, e o trabalho do Valter Varandas faz-me isso.

    E os seus textos... merecem ser lidos, merecem passar de mão em mão, de boca em boca e ficarem-nos presos na mente.

    O Valter é um amontoar de talentos e sentimentos, a quem só falta um reconhecimento maior. Mas esse dia vai chegar. Eu sei...

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  3. Sou amiga da Ana e tive oportunidade de dar uma vista de olhos a esta entrevista, não a li por completo porque está a dar o gosto disto e estava a tentar dar atenção ás duas coisas lolololol parabéns pela sensibilidade, como diz o Luís Jardim, Portugal está cheio de talentos por isso não desperdices os teus,e acredita sempre. É bonito podermos ver e ler coisas interessantes neste facetretas,além das frases compiladas, das fotos de animais, dos pedidos de ajuda para jogar, das pessoas solteiras que agora passaram a casadas,enfim...de tudo depois passo com mais tempo, felicidades.

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